Márcia Belloti & Luiza Porto (BR), Zélia Medonça (BR) e Ivan da Silva (PT) são os quatro artistas da segunda fase do programa de Residências Artísticas 2016 da Fundação Bienal de Arte de Cerveira e já estão a trabalhar em projetos nas áreas das artes visuais. A apresentação pública dos trabalhos decorrerá no próximo dia 28 de setembro, às 21h00, na Casa do Artista Jaime Isidoro.
Márcia Belloti & Luiza Porto (BR)
“Recusa à Intimidade” | Artes Visuais/Serigrafia
Nosso trabalho parte da desconstrução das barreiras entre público e privado, vida e arte, utilizando questões acerca da intimidade, gênero e sexualidade de pessoas comuns como catarse criativa para a materialização artística em múltiplos medias. Baseia-se em uma intensa troca entre voluntários desconhecidos e nós, artistas. Ávidos por expor suas próprias intimidades, tais voluntários são alcançados através de anúncios públicos – classificados em jornais, cartazes, panfletos – e convidados a participar de experiências artísticas.
Em 2015 chegamos à Lisboa com apoio do Instituto de Arte para realizarmos um projeto baseado na intimidade dos moradores locais. Adaptamos nossa metodologia à realidade portuguesa, entretanto a hesitação dos indivíduos em abrir mão da privacidade foi a característica mais marcante de nossa pesquisa. Tentamos, de várias maneiras, romper tais barreiras e por fim passamos a investigar os motivos culturais que ocasionaram este distanciamento.
Ao longo dos meses, notamos que a dificuldade de acesso à privacidade dos portugueses manifesta-se também na própria arquitetura. A escolha por janelas com venezianas, persianas e cortinas, predominantemente fechadas ou semicerradas, configura-se como um espelho cultural.
Realizamos uma intensa documentação fotográfica das fachadas das residências, resultando em 48 fotografias em preto-e-branco a serem impressas através da técnica da serigrafia. Sobre tais reproduções serigráficas, com edição limitada, serão adicionadas intervenções manuais com tinta azul sobre as pequenas aberturas de cada janela. Estabeleceremos aqui uma relação com a própria arte contemporânea portuguesa, criando um atrito entre a presença-ausência dos corpos ocultos nos interiores de cada residência.
Zélia Medonça (BR)
“Ciranda” | Artes Visuais
Fuxicos, botões, linhas, torsos (manequins velhos), restos de souvenires, sucatas de bijuterias usadas, aros de bicicletas, fuxicos, tramas de crochê perdidas, cortinas que se transformam em capas e outros materiais integram esta oficina da artista visual Zélia Mendonça. De cada objeto podem surgir restos de memórias, de lugares, representações de vivências e muitas histórias. O objetivo é certeiro: a emoção das pessoas e a sua expressão no mundo.
Para tanto, a artista proporciona duas experiências: a do todo e do particular. Na primeira, o olhar está menos localizado e, na segunda, acontece um rearranjo de ideias que dá sentido aos badulaques coloridos. Reciclagem e resinificação se unem nesta ideia lúdica e memorialística que resgata os jogos infantis. A transformação inerente na vida é organizada e se abre, ao mesmo tempo, para outras possibilidades do público que entra em contato com o resultado final. Como na frase de Miró: “Mais importante do que a obra de arte propriamente dita é o que ela vai gerar. A arte pode morrer; um quadro desaparecer. O que conta é a semente”.
A técnica da assemblage usada aqui se ergue contra a ditadura da utilidade e praticidade, em que pessoas são descartadas como objetos e objetos descartados se transformam num grande transtorno ecológico. Estamos imersos num clima de consumismo, de desperdício, de destruição de valores históricos culturais, da criação de desejos artificiais. Esquecemos a dimensão de significados que pequenas coisas podem ter. O que se pretende é inspirar e abrir oportunidades de movimentar a economia de artesãos. Quando este projeto se oferece como ponto de arrecadação de pequenos fragmentos de acessórios femininos, entre outros poluentes descartados, é uma solução que se busca. Ao mesmo tempo em que estimula o empreendedorismo artesanal com a consciência ambiental.
Eis a Ciranda! Que a tudo transforma e a todos une em nome da arte!”
Daniela Mendes
Ivan da Silva (PT)
“Silhueta”| Fotografia
O projeto concretiza-se na produção de uma obra de arte coletiva com a comunidade da Vila das Artes, recorrendo ao processo fotográfico alternativo cianotipia. Silhueta traz consigo uma questão identitária, metaforizando os modos contemporâneos de representação, devido à crescente digitalização que têm sofrido. Se por um lado os gadgets digitais contribuem para uma maior e mais constante consciência de si e do meio, por outro levam também a uma uniformização das linguagens populares de representação. É a partir do questionamento desses modos como somos representados, que Silhueta pretende reforçar a identidade cerveirense celebrando, em simultâneo, a cultura têxtil, através da utilização dos tecidos locais como suporte fotográfico.
São 15 os projetos ao longo de quatro períodos das Residências Artísticas 2016, nas áreas de gravura, escultura, pintura, fotografia serigrafia, entre outras. Este ano concorreram ao Programa de Residências Artísticas 67 projetos de 73 artistas, oriundos de 12 países. As residências artísticas selecionadas decorrerão na ‘Casa do Artista Pintor Jaime Isidoro’ e no Fórum Cultural de Cerveira, com o apoio da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira.