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Projeto “40 anos, 40 artistas” | VERA MARTINS: pintura e(m) ação

 

Herdeira, poder-se-á afirmar, da action painting que artistas como Jackson Pollock (1912-1956) ou Willem de Kooning (1904-1997) preconizaram, Vera Martins (n.1962) tem vindo a aproximar-se, ao longo de um percurso que iniciou em 1991 com a sua primeira exposição coletiva, do campo da performance, desvinculando-se do suporte como repositório na sua interioridade, passando a desconstruí-la e a torná-la extensão do seu corpo.

Nascimento, vida, morte e sexualidade foram sempre os temas centrais do seu processo criativo, interessando-se numa fase inicial pela tela dominada pela ausência de luz e pelo mistério dos relevos. Vera Martins queria moldar a tela e existia, nessa moldagem, um trabalho de força e uma intervenção do corpo, distante da estaticidade académica. Na contemporaneidade, os problemas da produção artística estão cada vez menos na técnica e cada vez mais da experimentação da matéria, no conceito e na mensagem. O processo criativo da artista natural de São Paulo procurava no público o seu término e, neste campo, interessa recordar a importância do Grupo Fluxus, constituído por artistas multidisciplinares tais como Joseph Beuys (1921-1986) ou Yoko Ono (n.1933) que desburocratizaram e democratizaram a possibilidade de fazer arte. É o expectador que detém as respostas e é através desse campo aberto que se ampliam as possibilidades de leitura e disseminação da obra de arte.

Vera Martins partiu da negritude, em que a tela apresenta detalhes escultóricos, para um processo em que o tecido, a tela, deixa de ser suporte e desabrocha em formas naturais. O corpo queria, contudo, participar no processo e é por isso com naturalidade que essa mesma tela se desfaz e a artista cria os chicotes que protagonizam as suas pinturas-performance. O chicote, catarse do negrume inicial, é o responsável pela explosão de cor. O chicote é o fio que se movimente, que traz cor, que convida os públicos à participação, retornando à rutura do Grupo Fluxus.
Foi no apogeu deste processo feito método de trabalho que a artista brasileira descobriu Vila Nova de Cerveira e integrou o programa de intervenções paralelo à XIX Bienal Internacional de Arte de Cerveira, que decorreu no verão de 2017. Em Vila Nova de Cerveira, como vemos na imagem, este processo de dentro para fora, para a explosão, integra, no caminho da negritude para a luz, zonas de respiração do suporte, com sugestões dadas pela observação do contexto, em que os quadrados de tela recriavam as janelas do Largo do Terreiro.

Desta intervenção, ainda que proveniente do domínio da pintura, verteu-se em obra para a coleção da FBAC a tela que integra, até 26 de maio de 2018, a exposição “É tudo uma questão de performatividade”, comissariada por Elisa Noronha. O vestígio da belíssima intervenção resume a participação de Vera Martins na última edição da BIAC e, sobretudo, desperta-nos o interesse pelo percurso e obra desta excecional artista que representa, aliás, a estreita relação de cumplicidade que a BIAC sempre manteve com o Brasil.

Em jeito de síntese, interessa reforçar que Vera Martins possui um currículo repleto de importantes exposições individuais e coletivas, múltiplos projetos de intervenção, integrando coleções um pouco por todo o mundo, tais como a coleção do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, a Pinacoteca do Estado de São Paulo ou o MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo; ainda do Museu del Barrio, em Nova Iorque (EUA), da Escola Antroposófica Rudolf Steiner, Hagen e do Colégio Stift Keppel, Siegen, ambos na Alemanha.

A coleção da FBAC é mais uma extensão do percurso da artista na Europa e, sobretudo, a sua intervenção da XIX BIAC constitui-se como evidência da importância das intervenções ao vivo no contexto da bienal mais antiga da Península Ibérica.

 

« Texto de Helena Mendes Pereira