Moldado pelo contexto social e cultural que se insere, o corpo é o vetor semântico através do qual o Ser Humano evidencia e constrói a sua relação com o mundo. O Corpo enquanto objeto de reflexão humana tem originado múltiplas abordagens, tais como as transformações que caracterizam o indivíduo ao longo dos tempos, ao nível das construções de género e raça e na retórica do sexo e do imaginário. No pós-II Guerra Mundial, talvez também como consequência dos horrores encontrados nos campos de concentração, o Corpo liberta-se da iconografia secular, passando a ser expressão de si mesmo. Mais do que representação dos ideais de beleza que atravessam a História, as propostas apresentadas pelos artistas colocam em evidência o corpo que passa a ser explorado como suporte, experimentando linguagens não-verbais, e utilizando-o como instrumento que questiona os valores socioculturais. Os artistas, através do corpo, questionam o meio, a sociedade, interpelam os sujeitos, desafiam-nos. Entre as linguagens artísticas que historicamente exploram a confluência expressiva de meios e métodos nas artes plásticas e visuais em que o corpo do artista é a própria obra estão a Body Art e a Performance. Contudo, historicamente, a Body Art e a Performance estão ligadas às ações realizadas pelas vanguardas europeias do início do século XX: as serenatas futuristas, as apresentações cáusticas e sarcásticas dos dadaístas e dos surrealistas. Não obstante, será no contexto da luta pelas liberdades sexuais, pelos direitos da mulher, nos primeiros grandes debates sobre a relação do Homem com a natureza e na reação contra a Guerra do Vietnam, que a performance ganhará força, muito em particular pela ação do Grupo Fluxus, movimento que se opunha aos valores burgueses, às galerias e ao individualismo. O nome Fluxus, vem do latim flux e significa modificação, escoamento ou catarse. A origem do grupo situa-se em torno das aulas de música experimental ministradas por John Cage (1912-1992) na New School for Social Research, em Nova Iorque, e foi criado em 1961, em Wiesbaden, na Alemanha, durante o Festival Internacional de Música, sob a liderança de George Maciunas (1931-1978), integrando artistas de várias partes do mundo, como os alemães Joseph Beuys (1921-1986) e Wolf Vostell (1932-1998), o coreano Nam June Paik (1932-2006), o francês Bem Vautier (n.1935), e japonesa Yoko Ono (n.1933), além de outros representantes destes países ou dos países nórdicos.
Será inspirada por este contexto internacional e no âmbito dos movimentos de artísticos de ação e reação do pós-25 de Abril de 1974, que Gracinda Candeias (n.1947) apresenta, em 1978, na I Bienal Internacional de Arte de Cerveira, uma pintura-performance cujo vestígio documental integra a exposição “É tudo uma questão de performatividade”, comissariada por Elisa Noronha e patente no Fórum Cultural de Cerveira até 26 de maio de 2018, juntando-se a um acrílico sobre aglomerado de 185x184cm, de 1980. Sobre a performance, escreve-nos a autora:
“A Body Arte e a performance, aconteceu porque andei a esconder o corpo quase uma década, e foi para mim o resultado da libertação de uma doença que guardava no íntimo sobre o meu corpo. Quando finalmente foi descoberta a causa e a cura, coincidiu com a I bienal de Cerveira, em 1978 – fiz aí a primeira performance com o meu corpo – e o que queria transmitir era a LIBERTAÇÃO do meu corpo – a festa dos sentidos e do CORPO! Como uma crisália que se transforma numa borboleta!”
« Texto de Helena Mendes Pereira