Estávamos em plena Guerra do Iraque (2003-2011) e, perseguindo um ideal da Arte como processo de reflexão (e de intervenção) política e cívica sobre o contexto espácio-temporal em que nos encontramos, em 2007, a XIV Bienal Internacional de Arte de Cerveira (BIAC), realizada de 18 de agosto a 29 de setembro, adotou como tema “AS NOVAS CRUZADAS”, lançando o desafio aos criadores para o desenvolvimento e apresentação de proposta centradas nas “diferenças culturais entre o ocidente e o médio oriente, as implicações sociais, políticas, religiosas e económicas que isso representa para os países ricos”, nas palavras do então diretor artístico, Henrique Silva. A obra de Sobral Centeno (n.1948), em destaque, intitulada “Outros lugares” (um acrílico sobre tela, de 150 x 150 cm), data precisamente desse ano, ainda que tenha sido apresentada na bienal seguinte, em 2009. Em 2007 o artista iniciou uma série de trabalhos, que apresentou em exposições em Portugal, no Brasil, Espanha e Cuba, partindo da temática das cruzadas e dos cruzados, mantendo, contudo, o seu alfabeto simbólico e códice cromático.
Sobral Centeno está umbilicalmente ligado à história da (BIAC), fundamentalmente por via da sua amizade com Jaime Isidoro (1924-2009), que considera como fundamental no lançamento da sua carreira artística, tendo nele apostado intuitivamente, desde os primeiros passos, e sendo um dos motivos pelos quais começa colaboração regular nas atividades das BIAC. Fez parte dos órgãos sociais da Associação Projeto – Núcleo de Desenvolvimento Cultural, estrutura jurídica que organizou as bienais antes da criação, em 2011, da FBAC.
O currículo de Sobral Centeno não deixa margem para dúvidas sobre a sua coerência, persistência e constante espírito experimentalista. Natural do Porto, formou-se na Escola Superior de Belas Artes do Porto (atualmente FBAUP) e combinou sempre o exercício da docência com a sua atividade como pintor. Acumula exposições individuais e coletivas e marca presença em coleções públicas e privadas de enorme relevo em países de três continentes: Portugal, Brasil, Alemanha, Espanha, Bélgica, Cuba, Coreia do Sul e Dinamarca (por ordem de representatividade). A obra de Sobral Centeno evoluiu (se é que se pode falar de evolução no campo artístico) de um abstracionismo lírico das duas primeiras décadas de atividade artística, para se aproximar do expressionismo de raízes centro-europeias, em que itinera entre a presença maior ou menor de elementos figurativos, igualmente mais ou menos semióticos. A mancha vai apresentando pequenas variações entre a cor plana ou texturada e o trabalho cresce quando o gesto se liberta, quando o suporte aumenta a dimensão e quando o branco dos fundos, sem pretensões tridimensionais, equilibra as composições com espaços de respiração e/ou inquietação sobre a relação (ou não relação) entre as formas. Esta dinâmica, à qual juntamos a prevalência das cores primárias, está bem patente nos seus cruzados, ora de acrílico sobre tela (como é exemplo a obra que integrar a coleção da FBAC) ora os acrílicos e técnicas mistas sobre papel, de grande força expressiva e gesto mais livre.
A obra em destaque acumula um certo repertório identitário português que permite o estabelecimento imediato de uma relação de comunicação com os públicos, que a decifram na dúvida e na inquietação dos seus sentidos.
Texto de Helena Mendes Pereira