Encerrarei a resenha dos preconceitos sobre a arte com aquele que está mais em voga já que se mistura com a vida quotidiana da crítica e da historiografia artística: o preconceito da possibilidade de distinguir algumas ou muitas formas particulares de arte, cada qual determinável no seu conceito particular e nos seus limites, e dotada de leis próprias.[1]
Inez Wijnhorst (n.1967) é natural dos Países Baixos mas vive e trabalha em Portugal desde 1990, licenciando-se em Pintura num percurso feito entre a Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e a Real Escola de Belas Artes de Haya. Desde 1991, já realizou perto de duas dezenas de exposições individuais e participou em mais de uma centena de coletivas em Portugal, Espanha, França, Bélgica, Grécia, Polónia, Macau, Canadá, Itália, Japão e Brasil, o que se reflete, não só em prémios, tanto na área da pintura como da gravura, como também na presença em coleções públicas e privadas em vários dos países elencados.
Combinando uma estética e uma prática que privilegiam o detalhe e a combinação de pequenas figurações em composições geométricas, ora simples, ora complexas, a obra de Inez Wijnhorst sorve em poética a essência da condição humana, na sua relação com o divino e com o mundano e no jogo da antítese da recusa e do elogio do quotidiano profético das coisas.
Em 1999, venceu o Prémio Aquisição Baviera na X Bienal Internacional de Arte de Cerveira, realizada entre 14 de agosto e 12 de setembro com uma técnica mista sobre tela de dimensões generosas (180x180cm) que evidencia a delicadeza e a gentileza do seu trabalho, numa paleta que vai dos brancos aos negros, passando por suaves tons terra e por assumir o desenho e a colagem enquanto elementos da história que se quer contar. Poética e interior, esta obra de Inez Wijnhorst, que desde então integra a coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira (FBAC), parece a reserva de uma coleção de objetos carregados de memórias, associações ao eu, que se ligam e desligam nas linhas do desenho e nos intervalos das colagens. A obra aparece-nos como um puzzle, como um atlas do nosso mais íntimo e poético imaginário, colecionismo dos afetos. Ao longe, configura-se como mancha quadrada, ordenada e limpa, que nos confunde e funde numa ideia de descobrir, decifrar como a qualquer outra coleção de objetos, aqui representados na poesia de Inez. A obra, que integra recorrentemente exposições do acervo da FBAC, enriquece-nos, despe-nos e seduz-nos e leva-nos a um caminho da curiosidade pela obra da artista. A tela, o suporte branco, tem vencido a querela com o cheio das obras dos anos de 1990 e início do novo milénio, ampliando-se o exercício de manipulação das escalas das coisas e a presença da palavra e da narrativa interrogativa por trás da plasticidade.
A pintura, mas também a gravura, de Inez Wijnhorst lembram, muitas vezes, os devaneios d’ A Paixão do Jovem Werther, do enorme Goethe (1749-1832) e o apelo, por vezes telúrico, por vezes devaneante, ao regresso ao nosso colecionismo da interioridade, às imagens e objetos que nos contam.
O pôr do Sol da paisagem resplandecente de neve é uma visão magnífica, a tempestade passou e eu… tenho de me encerrar de novo na gaiola.[2]
[1] CROCE, Benedetto – Breviário de Estética. Lisboa: Edições 70, 2008. Página 48.
[2] GOETHE, Johann Wolfgng von – A Paixão do Jovem Werther. Lisboa: Bertrand Editora, 2014. Página 100.
« texto de Helena Mendes Pereira