Skip to main content

Projeto “40 anos, 40 artistas” | MARIA VIII de Gerardo Burmester ou a consequência dos Encontros

 

Gerardo Burmester 1995 MARIA VII Couro e Madeira 150 x 120 x 10 cm

 

Ao folhearmos a revista de Artes Plásticas 7/8, de dezembro/janeiro de 1977, encontramos, num texto de Egídio Álvaro, extensa reflexão sobre as Intervenções no Espaço Urbano que marcaram os III Encontros Internacionais de Arte, realizados em 1976, na Póvoa do Varzim, depois das edições de Valadares e Viana do Castelo e promovidos por Jaime Isidoro (1924-2009):

Com as intervenções, os Encontros fizeram ruir, muito simplesmente, muito naturalmente, sem discursos ou retóricas, o velho mito da incomunicabilidade da arte fora dos seus templos. Isso deve-se, antes de tudo, à qualidade do trabalho e à seriedade com que foi encarado. Trabalhadores artísticos, profissionais qualificados, criadores atuando sobre um suporte até aqui desprezado – o espaço coletivo e livre da urbe – todos aqueles que participaram nestas intervenções nos deram um exemplo memorável e histórico: é a ação – e a coragem de a concretizar – que se inscreve no corpo da sociedade e que marca em sulcos profundos o tempo.

E é, precisamente, na página 30 da supracitada revista que vamos encontrar Gerardo Burmester (n. 1953), em fotografia que memoriza a intervenção Construir é destruir é construir, que terá levado a cabo na Póvoa do Varzim, no Verão de 1976. Na consulta da biografia detalhada do artista, disponível através da Galeria Fernando Santos, com a qual mantém colaboração antiga e regular, os III Encontros Internacionais de Arte aparecem-nos, precisamente, como primeira referência da sua atividade artística partilhada com os públicos. A partir daqui, inicia colaboração nas ações do Grupo Puzzle (que integrou artistas como Albuquerque Mendes, Armando Azevedo, Carlos Carreiro, Dario Alves, Graça Morais, Jaime Silva, João Dixo, Pedro Rocha e Pinto Coelho) desenvolvidas, sensivelmente, entre 1975 e 1980. Neste sentido, na segunda metade da década de 1970, o percurso de Gerardo Burmester é marcado por um conjunto de ações performativas, nas quais vai configurando o quadro conceptual da sua obra plástica, no cada vez maior afastamento da relação entre Arte e Revolução, considerando o 25 de Abril de 1974 e as transformações e convulsões sociais e políticas que lhe são consequentes, muito próximo do quotidiano e da produção artística, para o fortalecimento da necessidade de revolucionar a Arte, aproximando-a das vanguardas emergentes que questionavam os suportes e as metodologias tradicionais. Gerardo Burmester irá desenvolver, gradualmente, um trabalho artístico que questiona, ironicamente, a condição da pintura, conceptualmente coerente mas diversificado e experimentalista nos suportes e materiais, recorrendo a um universo de recursos provenientes da produção industrial e desvinculados das belas-artes de raízes tradicionais e académicas, no contexto de tempo e lugar em que nos encontramos.

Gerardo Burmester nasceu no Porto, em 1953 e frequentou a Escola Superior de Belas-Artes do Porto entre 1973-74. Entre 1975-78 viveu e trabalhou em Paris e terá sido numa das viagens de Verão a Portugal que chega à Póvoa de Varzim e contata com o grupo de artistas e intelectuais que marcará os primeiros anos da sua atividade artística pública. Pertenceu ao Grupo Puzzle, como se disse, e em 1982 fundou e dirigiu com Albuquerque Mendes (n.1953) a Associação/Galeria Espaço Lusitano, no Porto. A sua primeira exposição individual acontece em 1979, na Fundação Engenheiro António de Almeida, no Porto, intitulada “Rupturas” e onde já abre caminho para as instalações de flagrante originalidade estética e experimental[1], que farão dele um dos mais relevantes artistas conceptuais da sua geração, coincidindo com o espírito de rutura democrática provocado pela Revolução que foi dando lugar, na sociedade portuguesa, a uma nova conjuntura cultural que possibilitou, nos anos 80, o aparecimento e o rápido reconhecimento de uma nova vaga de criadores e agentes culturais.[2] Neste período, dentro de uma densa malha de exposições individuais e coletivas nas mais ativas estruturas culturais da época, vemo-lo participar na III e V Bienais Internacionais de Arte de Cerveira (1982 e 1986), vencendo o Prémio Aquisição em 1986, na Secção de Arte Anos 80.

No final da década de 1980 surgem as suas primeiras pinturas-objeto e as instalações como propostas cenográficas que interpelam o espetador, desafiando-o, ao mesmo tempo, à aproximação e ao distanciamento, em conjuntos-objetos que são tanto sedutores e atrativos, como frios e cândidos, sempre dominados pelo perfecionismo da execução dos materiais que itineram entre a madeira folheada, o alumínio polido, o feltro industrial ou o couro, criando paisagens surrealizantes que recuperavam o imaginário noturno, lunar[3], de referência a Caspar David Friedrich (1774-1840) e ao neorromantismo que o acompanhava deste a década anterior.

MARIA VIII, de 1989 (com 150x120x10 cm), objeto de couro e madeira, atualmente na exposição “Pintura em Três Atos”, venceu o Grande Prémio na VIII Bienal Internacional de Arte de Cerveira, realizada de 29 de julho a 27 de agosto de 1995, e enquadra-se, perfeitamente, nesta narrativa. Em “Pintura em Três Atos” encontramos também objetos que marcam as séries posteriores com conjuntos de elementos coloridos de alumínio polido e peças de consideráveis dimensões (que) assinalam outro novo elemento de pesquisa: o acrílico e as suas potenciais “transparências”.[4]

A obra de Gerardo Burmester tem merecido o consensual reconhecimento público, tendo o artista uma lista superior à centena de exposições individuais e coletivas. Poderíamos, neste campo, destacar as individuais mais recentes no Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves (1998) e As cores não dizem nada, no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, em Bragança (2008). A sua obra integra relevantes coleções públicas de arte contemporânea, entre as quais a do Banco Português do Atlântico, Porto; Caixa Geral de Depósitos, Lisboa; Fundação Engenheiro António de Almeida, Porto;  Fundação Ilídio Pinho, Porto; MEIAC – Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo, Badajoz, Espanha; Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves, Porto; Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, Amarante; Fundação Barrié de la Maza, Corunha, Espanha; e, naturalmente, a da Fundação Bienal de Arte de Cerveira, cuja história o inclui desde a sua pré-história, ou seja, desde os Encontros Internacionais de Arte que lhe antecederam.
Texto de Helena Mendes Pereira

[1] http://www.galeriafernandosantos.com/artists_detail.php?id=81 em 22 de fevereiro de 2018.

[2] MELO, Alexandre – Arte e Artistas em Portugal. Lisboa: Instituto Camões e Bertrand Editora, 2007. Página 61.

[3] ALMEIDA, Bernardo Pinto de – Arte Portuguesa no Século XX. Uma História Crítica. Porto: Coral Books, 2016. Página 387.

[4] http://www.galeriafernandosantos.com/artists_detail.php?id=81 em 22 de fevereiro de 2018.