No dia 16 de maio de 2015, no âmbito da programação paralela à exposição “Recontar a Bienal de Cerveira”, promovida pela Fundação Bienal de Arte de Cerveira, estivemos à conversa com Justino Alves. O ciclo de conversas incluiu vários artistas que partilham nas suas biografias uma ligação umbilical à Bienal Internacional de Arte de Cerveira. O pano de fundo da conversa de 16 de maio de 2015 foi uma grande tela de 1017X188 cm que o pintor Justino Alves (1940-2015) executou, e segundo o próprio deixou inacabada, no âmbito dos ateliers dos V Encontros Internacionais de Arte/I BIAC que decorreram, respetivamente, entre 5 e 12 de agosto e entre 5 e 31 de agosto de 1978, numa história dos dois eventos que se confunde e que, 40 anos depois, procuramos reconstituir.
Com Justino Alves, nessa conversa, recordamo-nos de Artur Bual (1926-1999), companheiro e amigo de muitas aventuras e de muitos momentos das primeiras edições da bienal mais antiga e relevante da Península Ibérica. A supracitada tela não é, contudo, a única obra que Justino Alves realizou nos ateliers livres de 1978. Nas imagens a preto e branco que ilustram esta semana o “40 anos, 40 artistas”, pertencentes ao espólio documental da Galeria Alvarez (Porto), o pintor aparece a criar uma obra, que pertence à série da obra do Centro Social e Paroquial de Covas, que integramos, recentemente, na exposição “ARTE, RESISTÊNCIA e CIDADANIA: os artistas da Bienal Internacional de Arte de Cerveira e a Democracia” patente na Assembleia da República até 29 de junho de 2018. Justino Alves ficaria, através das suas obras e das memórias dos muitos que se lembram da sua presença, ligado ao arranque da utopia cultural de Vila das Artes. No dia 18 de agosto de 2015, Justino Alves morre no seguimento de uma complicação de saúde e a conversa em Vila Nova de Cerveira, poucas semanas antes, constitui-se como a sua última aparição pública e como o último momento de contacto e conversa com os públicos. É também por este motivo que hoje o recordamos.
Justino Alves nasceu no Porto, em 1940, cidade onde fez a sua formação artística. Desde muito cedo que se deixa influenciar pela pintura de Amadeo de Sousa Cardoso (1887-1918), percursor dos modernismos em Portugal. De resto, há na figura humana e animal, até mesmo na iconografia de Justino Alves, muito do que distinguiu o amarantino. Entre 1968 e 1970 é diretor da Academia de Belas-Artes do Funchal. Regressa ao Porto e à sua Faculdade de Belas-Artes, em 1971, para exercer atividade como docente. Como bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian tem oportunidade, a partir de 1976, de viajar para Paris onde trava contato com a vanguarda da pintura europeia e onde desperta para o potencial da arte como construtora dos indivíduos e das comunidades. Regressa em 1978, ano de importantes acontecimentos artísticos em Portugal. Na Bienal Internacional de Arte de Cerveira, com Jaime Isidoro (1924-2009) e Artur Bual, irá encontrar muito do espírito da vida em comunidade dos artistas de Paris. É isso que o atrai. Foi desenvolvendo a sua carreira de pintor a par da de docente, mostrando o seu trabalho em mais de 20 exposições individuais e 60 coletivas e vendo a sua obra reconhecida com vários prémios nacionais, entre eles o Nacional de Pintura, em 1969. A sua vasta produção artística, gestual, com um alfabeto formal reconhecível e com uma paleta que se adensa na relação dos negros com o degradê de tons terra ou cinzas, carece ainda de investigação sistematizada e, sobretudo, de uma revisitação sensível que revelará um artista ímpar. Mais um cuja história se entrelaça na narrativa destes 40 anos.
« Texto de Helena Mendes Pereira