Helena Almeida é um nome maior da História da Arte Contemporânea portuguesa. É com a intensidade e, ao mesmo tempo, sensibilidade, desde os primeiros trabalhos de 1975 em que representa o (seu) corpo no objeto artístico, que inclui cada um de nós na sua narrativa de quotidianos emocionais e sensoriais. Em 1984, no âmbito da IV Bienal Internacional de Arte de Cerveira realizada entre 4 de agosto e 2 de setembro, a obra “Saída Negra” (1982), em destaque, foi a vencedora do prémio atribuído pela Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, inscrevendo, assim, a artista na História destes 40 anos e passando a integrar a coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira.
Helena Almeida nasceu em Lisboa em 1934 e estudou na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Começa a expor em 1967, na Galeria Buchholz. Os trabalhos de finais da década de 1960 já questionam a tela enquanto suporte tradicional. A cor já é plana, com predomínio para o azul que a artista irá perseguir até encontrar o tom que a define. O corpo ainda não está lá de forma visível, ainda que o vejamos nas questões que a artista coloca ao convencional.
Nas vésperas da revolução democrática de 1974, Portugal vivia uma conjuntura bastante desfavorável. As dificuldades económicas e sociais da população caracterizavam a realidade isolacionista, que se revia ainda na famosa expressão “orgulhosamente sós”[1]. Neste contexto, martirizada pela longevidade do regime, a sociedade portuguesa sofreu os efeitos negativos da intervenção política na dinâmica cultural. A relativa abertura do sistema no período final do regime reforçou, inclusivamente, a perceção do abismo que separava a realidade social e artística do nosso país da dinâmica internacional da contemporaneidade. No que diz respeito ao contexto artístico e, em particular, à realidade das artes plásticas, o período de transição ideológica e política que caraterizou o nosso país na década de 70 apresenta uma complexa multiplicidade de referências, contribuindo indiretamente para abrir uma nova etapa na atividade artística e cultural. Em 1977, realizou-se em Lisboa uma importante exposição. A mostra, de seu título Alternativa 0 – tentando definir um grau zero da atividade artística em Portugal – marcou um momento de charneira no rumo da arte portuguesa da época. “Ela foi, de facto, um grau zero – no sentido de uma reavaliação das potencialidades – e teve repercussões nas práticas artísticas, ao mesmo tempo que fez o ponto da situação das mais avançadas tentativas de vanguarda realizadas em Portugal.”[2] Estavam reunidas, por convite de Ernesto de Sousa (1921-1988), obras de algumas dezenas de artistas, entre os quais Helena Almeida.
Em meados da década de 70, a pesquisa de Helena Almeida conhece um aprofundamento cuja radicalidade enuncia um deslocamento no centro das suas indagações. Surgem pela primeira vez trabalhos com recurso fotográfico, focados na habilidade da pintura, da tela e do desenho.
A tela, suporte e corpo da pintura, envolve agora o corpo da artista, transformando-se em corpo da obra. A obra passa a convocar diferentes media e fotografia, pintura e desenho conjugam-se a partir de 1975 numa prática artística que se constrói nos limiares de todas essas disciplinas, criando a sua própria linguagem e com o corpo da artista como suporte primeiro da intervenção plástica. Se é verdade que é a partir desta altura que Helena Almeida passa a representar-se a si própria em quase todas as obras, não é menos verdade que é através dela – do seu corpo representado – que as outras disciplinas artísticas se enunciam. A artista combina as técnicas de criação (manualmente cria o seu azul, mistura as cores; faz desenhos e colagens) com as técnicas de reprodução (a fotografia e o vídeo), contaminando a pureza modernista da separação das disciplinas.
“O chamamento desassossegado do movimento e da interioridade cria uma melodia contínua através da obra de Helena Almeida. (…) A sua definição é derivada da música, da composição, do som, à medida que se move entre os silêncios. A obra de Helena Almeida é musical no sentido em que grande parte ocorre nos interstícios das imagens que a artista nos oferece.”[3]
[1] MELO, Alexandre – Arte e Artistas em Portugal. Publicação Instituto Camões Portugal / Ministério dos Negócios Estrangeiros / Bertrand Editora, 2006. ISBN: 978-972-25-1601-3. Página 37.
[2] ALMEIDA, Bernardo Pinto de – Pintura Portuguesa no século XX. Porto: Lello Editores, 2002. ISBN: 972-48-1804-7. Página 214.
[3] CARLOS, Isabel e PHELAN, Peggy – INTUS. Helena Almeida. Lisboa: Civilização Editora, 2005. ISBN: 972262307-9. Página 76.