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Projeto “40 anos, 40 artistas” | Elsa César e os intervalos gráficos

Com uma produção plástica que abrange o desenho, a pintura e a escultura, o trabalho de Elsa César (n.1947) encontra-se na difícil encruzilhada entre a objetualidade e a conceptualidade nas artes plásticas que marca os caminhos da produção artística, sobretudo, a partir da década de 1960 e que, no novo milénio, assume contornos de discussão constante, faccionada e sem conclusões. Elsa César, natural do Porto, fez o curso complementar de Escultura da Escola Superior de Belas Artes do Porto (atual FBAUP), tendo sido professora-adjunta na Escola Superior de Educação do Porto na área das Artes e Ofícios. Conclui Mestrado em Belas Artes (Fine Arts) no Goldsmith’s College da Universidade de Londres entre 1988 e 1990, biénio em que foi bolseira do Instituto Politécnico do Porto. Expõe, coletivamente, desde 1983 e, individualmente, desde 1987. As suas obras integram importantes coleções públicas e privadas, em Portugal e além-fronteiras, merecendo destaque a coleção de Joshua Gessel, na Suíça. As Bienais Internacionais de Arte de Cerveira têm contado, desde há décadas, com a sua presença e, em 1995 foi a grande vencedora do Prémio Revelação da VIII Bienal Internacional de Arte de Cerveira, que decorreu 29 de julho a 27 de agosto, com a peça “Tríptico com seis bolsas”, em couro e madeira (243x150cm). A coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira possui, contudo, outra obra da artista que ora destacamos.
“Memórias da Terra” (1990) é uma instalação de madeira, gesso e grafite (188x160x140cm) em que duas formas quase tumulares se sobrepõem a um conjunto de elementos que se ligam como um puzzle, acentuando-se na parede e na perspetiva bidimensional, os elementos naturais que emergem, marcando o objeto nas dualidades da presença e da ausência, do cheio e do vazio, fundamentais à Escultura enquanto disciplina e à própria poética da obra de Elsa César. A fragilidade e singularidade dos materiais escolhidos pela autora (que não pretere ou prefere nenhum, mas apenas a matéria e a negritude da paleta que esta e o processo lhe dão) revestem o objeto, por um lado, do telúrico e, por outro, o catártico. Nas palavras de Fernando Pernes (1936-2010) em catálogo para a exposição individual da artista na Sociedade Nacional de Belas Artes (Lisboa), realizada em março de 1996:

Conciliando o lúdico e o sombrio, enraizada no culto da natureza, a sua arte nada tem a ver com virtuosismos de mimetismo naturalista ou quaisquer outros revivalismos de conotação pós-modernista, senão antes com um vitalismo onírico por onde o lembrar e o sonhar se indissociam estreitamente. Daí também a acentuada vertente nocturna deste discurso indizível, fundamentando o cromatismo lunar, plúmbeo e negro da generalidade dos seus trabalhos, sempre impregnados de sensibilíssimo lirismo orgânico que disciplina a exuberância subjectiva na exigência de ascética disciplina estruturante e objectualista.

Mais do que uma memória, a obra de Elsa César devolve-nos sempre à terra e a nós, por isso parte, na abordagem ao espaço, do chão. O trabalho é impregnado de paciência e de ritmo e transpira a postura humilde de uma artista melhor e mais que aquilo que o seu tempo escreveu. Merece revisita, leitura, porque atual e, sobretudo, porque nos coloca no intervalo das abordagens através do seu sempre gráfico, neste caso, também grafite, processo de saber fazer, saber pensar e saber agir.

 

« Texto de Helena Mendes Pereira