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Projeto “40 anos, 40 artistas” | Artur Bual e a poética do gesto

Artur Bual (1926-1999) é um dos artistas que marca, de forma indelével, a história das Bienais Internacionais de Arte de Cerveira. A comunidade local e os entusiastas do evento lembram-se do artista a pintar ao vivo obras de generosas dimensões, da forma enérgica que o caraterizava, com o seu corpo a percorrer os suportes em gestos largos que faziam surgir manchas de cor de carácter abstrato que, por vezes, se misturavam com sugestões de figuração de natureza poética.

Ainda que Artur Bual também tenha obra como escultor e ceramista é, de facto, na pintura que a sua expressão é reconhecida. O Historiador de Arte José Augusto França (n.1922), na sua última tese defendida na secção de Ciências Sociais da Ecole des Hautes Études, de Paris, sobre o tema L’Art dans la Société Portugaise au XXème Siècle, identifica-o entre os nove pintores mais representativos no quadro da pintura abstrata portuguesa, referindo-o como iniciador do gestualismo. O movimento gestual tem expressão na pintura portuguesa, sensivelmente, a partir de 1958 e é precisamente com Artur Bual que atingirá o seu expoente. A arte abstrata desenvolve-se no contexto português num momento em que a discussão estética está entre as tendências neorrealistas e surrealistas, discussão que acompanha o panorama europeu. Contudo, o eco das obras dos artistas americanos do designado expressionismo abstrato (Jackson Pollock (1912-1956), Willem de Kooning (1904-1997) ou Mark Rothko (1903-1970), por exemplo) chega à Europa e, ainda que com o país debaixo de um regime ditatorial, não deixará de influenciar uma determinada geração. Bual evoluirá assim, de um figurativo expressivo, de pincelada rápida, larga e densa, para a abstração poética.

À semelhança de algumas das mais relevantes coleções portuguesas de Arte Contemporânea em que Artur Bual é presença permanente, a coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira reúne um conjunto alargado de obras do autor, tanto individuais como realizadas em colaboração com outros artistas, nomeadamente as que evidenciam as presenças do artista nas BIAC de 1978, 1980 e 1982. Também de 1991 há registo de um painel coletivo. Tecnicamente, o artista varia entre os suportes tela e madeiras e tanto experimenta o óleo, o acrílico ou a fusão de vários materiais. Bual trabalhava ao vivo, incansavelmente e de forma apaixonada. As obras, individuais e coletivas, que integram a coleção, foram produzidas em Vila Nova de Cerveira, bebendo do espírito do lugar e do evento e tendo deixado impressão digital em todos aqueles que tiveram oportunidade de assistir e conviver com o artista.

Natural da Amadora, Artur Bual realizou centenas de exposições coletivas e individuais, tendo sido agraciado com sete prémios entre 1952 e 1997. Em 1959 venceu, inclusivamente, o Prémio Nacional Amadeo de Souza Cardoso. A sua ligação a Vila Nova de Cerveira e, concretamente, aos seus mentores já é anterior, uma vez que o artista já havia sido presença assídua nos Encontros Internacionais de Arte.

Os seus Cristos, realizados em vários períodos da sua atividade criativa, mantinham a sua ligação a uma certa figuração e acentuam a dimensão cósmica da sua obra, capaz de colocar, de forma permanente, questões e inquietações. A obra de Artur Bual, intemporal, de paleta aberta e forte sentido experimental, continua a deslumbrar-nos e a ser, cada vez mais, importante ativo de todas as coleções que integra.

 

« Texto de Helena Mendes Pereira