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Projeto “40 anos, 40 artistas” | Aguarelar a agitação por Jaime Isidoro

Esta semana, no âmbito do projeto “40 anos, 40 artistas” voltamos a destacar uma obra de 1978 e outro dos sócios fundadores da Fundação Bienal de Arte de Cerveira (FBAC): Jaime Isidoro (1924-2009), o homem cuja história, enquanto importante dinamizador do mercado da arte em Portugal a partir da segunda metade do século XX, ainda está por escrever e aquele que será eternamente lembrado como o principal responsável pela criação da Bienal Internacional de Arte de Cerveira (BIAC), cuja vida e atividade celebramos no número redondo de 40 anos. A aguarela sobre papel de 55x75cm, que ora se destaca, foi realizada durante o atelier livre de artes plásticas, precisamente, da I BIAC, que decorreu entre 5 e 31 de agosto, prolongando e ampliando a realização dos V Encontros Internacionais de Arte (EIA), iniciativa de Jaime Isidoro e Egídio Álvaro que privilegiava o debate sobre a produção artística contemporânea, o encontro informal entre artistas e críticos e que assentava a sua programação num conjunto de ações, intervenções e performances que os levaram a constituir-se, a par de Coimbra e Almada, como um dos polos deste tipo de manifestação artística, de contracorrente e contracultura, seguindo as tendências e as vanguardas europeias e bebendo do espírito revolucionário da época. Os V EIA, tal como a I BIAC, tiveram lugar em vários espaços do município, centralizando as suas principais manifestações no Pavilhão Gimnodesportivo e na Casa do Povo. A I BIAC integrou, por isso, obras produzidas durante os V EIA e um volume considerável de trabalhos da coleção particular de Jaime Isidoro e da Galeria Alvarez, espaço que o também pintor havia aberto no Porto em 1954 e onde se realizou, a título de exemplo, a primeira exposição póstuma de Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). Não será, portanto, de estranhar que a I BIAC incluísse uma obra do pintor de Manhufe, da mesma forma que incluía obras de Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992) e do casal Almada Negreiros (1893-1970) e Sarah Afonso (1899-1983). Estes dois últimos foram, assim, os homenageados da mostra e, juntando mais uma curiosidade à narrativa, Jaime Isidoro desenvolveu, inclusivamente, o cartaz das festas de São Sebastião (4, 5 e 6 de agosto de 1978) a partir de uma obra de Sarah Afonso. Consegue imaginar-se, só por aqui, a festa que a Vila das Artes viveu há quarenta anos por aqueles dias, como consegue perceber-me a enorme abrangência da ação de Jaime Isidoro, um homem que manteve em toda a sua ação enquanto galerista, colecionador, dinamizador cultural, preocupações de caráter pedagógico e um imenso empenho em estabelecer pontos de comunicação e contacto entre as artes e os públicos.

A filosofia dos ateliers livres era precisamente essa e, em 1978, a sua ocorrência foi ininterrupta entre 5 e 12 de agosto, ou seja, durante o período em que decorrem os tais V EIA. Aguarelista do Porto, como alguns o apelidaram, Jaime Isidoro capta, desta vez, a essência imagética de Vila Nova de Cerveira, num vislumbre poético a partir da margem portuguesa do rio Minho. Jaime Isidoro nasceu no Porto e estudou pintura na Escola de Soares dos Reis. Em 1945 realiza a sua primeira exposição, à qual se viriam a somar dezenas em que participou como artista, quer individuais, quer coletivas, em Portugal e além-fronteiras. O seu percurso foi reconhecido com méritos e honras e os que o conheceram são unânimes em identificar a sua capacidade de trabalho e de reunir pessoas em prol de uma mesma ideia ou projeto. Foram muitos os artistas (jovens ou desconhecidos do grande público) em que apostou e investiu e é ainda maior o núcleo dos que o identificam como um dos primeiros que pensou a descentralização cultural e a educação artística. Jaime Isidoro era a arte, assim dizia: “A arte sou eu”. Em 1978 lançou em Vila Nova de Cerveira as bases do mais antigo e, talvez, um dos mais importante eventos ibéricos dedicados á arte contemporânea. Tendo aguarelado o rio, em poesia ou em prosa, o seu universo interior foi sempre de agitação e de vontade de concretização. Tudo por amor à arte.

« texto de Helena Mendes Pereira