A homenagem do Grupo 42 a Sarah Affonso (1899-1983), no âmbito dos V Encontros Internacionais de Arte realizados em 1978 em Vila Nova de Cerveira entre os dias 5 e 12 de agosto, começou no primeiro dia, anunciando-se nos programas que Jaime Isidoro (1924-2009) fazia manualmente, se fotocopiavam e se distribuíam. Aquele havia de ser um ano memorável com a primeira bienal e com a primeira pedra na transformação de um território através da ação cultural e da arte.
O Grupo 42 trabalhou ao vivo nessa escultura de homenagem à artista que, com Almada Negreiros (1893-1970), mereceria todas as honras da I Bienal. A ação prolongou-se pelos dias dos quintos encontros, integrando, no dia 8 de agosto, uma ação performativa cujo registo fotográfico e fílmico integrará a exposição que na Fundação Bienal de Arte de Cerveira (FBAC) estamos a preparar para recontar essa (pré)história da Bienal. A obra, constituída por uma base feita em troncos de madeira e por uma espécie de vulto redondo feito em gesso, também poderá ser revista, trazendo à memória a energia de dias marcados por intervenções, performances, happenings, ateliers ao vivo, debates e, sempre, os “imprevistos”.
Do Grupo 42 faziam parte João Duarte, Leonor Ferrão, José Mouchinho, Filomena Salavessa, Carlos Matos, Anabela Soares e Elisabete Mileu, quase todos provenientes da capital e com ligações à Escola Superior de Belas Artes de Lisboa (hoje FBAUL). O Grupo 42 foi um dos vários coletivos de raiz revolucionária que marcaram a cena artística nacional nos anos que se seguiram ao 25 de abril de 1974, até à chegada da fase de estabilização política. Os arquivos dos V Encontros Internacionais de Arte dizem-nos que a homenagem a Sarah Affonso incluía duas propostas: uma escultura e uma intervenção, como acima se referiu. A escultura previa: “a) realização da maquete; b) provável resolução em material definitivo; c) recolha fotográfica”. E tanto assim foi, como está registado e o objeto, esta semana em destaque, que continua a integrar a Coleção da FBAC. Sobre a segunda proposta, a intervenção, reportando-nos aos arquivos: “1. extração de elementos representativos na pintura de Sarah Affonso; 2. notas sobre a pintora Sarah Affonso. a) as recordações da pintora b) extratos de uma conversa com a pintora”. Ou seja, nas margens entre o plástico e o performativo, partindo da construção de uma narrativa a partir do simbólico e do vivido, o Grupo 42 propôs-se, à luz da vanguarda que à época se propunha e na ebulição do trabalho coletivo, homenagear a pintora que, com Almada, muito cedo havia descoberto a Costa Verde, sendo frequentes as férias que ambos passavam em Moledo (Caminha). De tudo isto se adensa a magia em torno do ano de 1978 para o qual convergiram vontades e capacidade de concretização, aliadas ao feitiço que o lugar já impunha e continuou a impor sobre todos.
O Grupo 42 acaba, como outros, por se diluir, seguindo os seus intervenientes caminhos diferentes, tendo alguns mantido o seu peso do meio artístico e outros optado pelo ensino. No entanto, objeto e testemunhos documentais contam-nos da sua passagem pela Vila das Artes, à qual o seu currículo ficará sempre ligado.