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Projeto “40 anos, 40 artistas” | 20 edições com Carlos Barreira

Carlos Barreira (n.1945) é um dos poucos artistas que participou em todas as edições da Bienal Internacional de Arte de Cerveira (BIAC). Na primeira edição, em 1978, a sua “Máquina de bater palmas” já indiciava uma obra escultórica caraterizada pelo engenho, sentido de humor e de intervenção social, regra geral, organizada por séries e que tem vindo a ser exposta em Portugal e além fronteira desde a década de 1970, individual e coletivamente, integrando igualmente coleções em vários museus europeus e africanos. Foi precisamente em África, em Moçambique, onde passou a infância e juventude, por influência de um tio, que começou a desenvolver, por curiosidade, pequenos mecanismos que haveriam de constituir-se como importante referencial da sua obra. As obras do flaviense Carlos Barreira apelam, regra geral, a um processo de conclusão das mesmas por parte dos públicos ou dos elementos da natureza, numa alusão à teoria da Obra Aberta de Umberto Eco em que se define a Arte como “uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados num mesmo significante”[1]. As suas obras, objetos interativos, caraterizam-se por uma dimensão afirmativa e de imponência, recorrendo, regra geral, a dois ou mais materiais, sendo que o ferro e a pedra são constantes. As obras de Carlos Barreira são plenas de manualidade, pertencendo o escultor àquela geração de artistas que entendem que a obra de Arte deve conter o gesto e a transpiração do seu autor, em todas as suas fases de conceção e produção.

A Escola Superior de Belas Artes do Porto (atual FBAUP) foi sempre a sua casa. Em 1965, após o regresso a Portugal, conclui estudos na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis e, em 1968, chega à ESBAP onde, em 1977, já integrava o corpo docente. Ainda durante o seu período de formação na ESBAP usufruiu de uma bolsa de estudos da Fundação Calouste Gulbenkian (1969-1972), tendo tido oportunidade de conviver com artistas como Jorge Pinheiro (n.1931), Gustavo Bastos (n.1928-2014), José Rodrigues (1936-2016), Alberto Carneiro (1937-2017), Ângelo de Sousa (1938-2011) ou Zulmiro de Carvalho (n.1940). Alguns destes artistas figuram, igualmente, na coleção da Fundação Bienal de Arte de Cerveira (FBAC) e são, tal como Carlos Barreira, parte do património simbólico do evento resultante da utopia de Jaime Isidoro (1924-2009).

Imponentes, de grande porte (em sentido literal ou poético) e marcadas pelo engenho e apelo à interatividade, as obras de Carlos Barreira povoam não só o espólio da FBAC, como também o espaço público de Vila Nova de Cerveira, particularmente as pertencentes à série “Searas Mecânicas”. De 1996, resultante do Simpósio de Escultura, à Vila das Artes chegou “Seara Mecânica”, em ferro e pedra (550x700x400cm); de 1998 a coleção soma duas técnicas mistas sobre papel respeitantes à mesma série, que resultam do trabalho de esboço pré e pós produção que acompanha o processo criativo de Carlos Barreira. Em 1999, com “Despenteada”, em ferro (175x150cm), o escultor vence o Grande Prémio da X Bienal Internacional de Arte de Cerveira, realizada entre 14 de agosto e 12 de setembro de 1999 e doa “Energia Repartida” (450x100cm). Em 2014, desta vez com um trabalho coletivo realizado com Alírio e Ana Fernandes, volta a vencer o Prémio Aquisição na XVIII Bienal Internacional de Arte de Cerveira, realizada entre 18 de julho e 19 de setembro de 2015. “Flip Gun” (técnica mista, 160×110) integrou, inclusivamente, a exposição comemorativa, simultaneamente, dos 40 anos da BIAC e do 25 de Abril de 1974 que teve lugar em 2018 na Assembleia da República, contexto em que a sua dimensão satírica se evidenciou, não deixando indiferentes todos aqueles que passavam no espaço da Biblioteca.

Carlos Barreira, nome ímpar da escultura portuguesa contemporânea, é um dos incontornáveis da bienal mais antiga da Península Ibérica e o número de obras suas que ajudam a contar esta história de quatro décadas são ilustrativos de uma presença constante e de uma enorme dedicação ao evento e às suas missivas.

[1]ECO, Umberto – Obra Abierta. Barcelona: Seix Barral, 1965.

 

« Texto de Helena Mendes Pereira